quinta-feira, 5 de março de 2009

Nunca.

Não vou me prolongar mais... TEXTO!



Entrou no táxi e deu boa noite ao motorista:
-Boa noite, pode seguir em frente, por favor.
Depois de cinco ou dez minutos andando sempre em frente, o motorista perguntou:
-O senhor já sabe pra onde vai?
-Nunca.
Seguiram-se mais alguns minutos de silêncio, até que o passageiro pediu que o motorista virasse à esquerda. Ele obedeceu e perguntou ao passageiro se ele tinha nome.
-Sim, tenho, e o senhor também. Mas, na verdade, isso não interessa a nenhum de nós dois, não é?
Perplexo, o motorista apenas meneou a cabeça, no que o passageiro prosseguiu:
-Sei que o senhor diria que apenas queria quebrar o gelo, e tudo mais, mas, a verdade é que, pouco importa o que eu farei ou pra onde vou. Claro que o senhor me achará curioso, e se lembrará de mim por um dia ou dois, graças à minha excentricidade, contudo, passado esse espanto, alguma outra coisa ocupará sua mente, como uma conta pra pagar, ou qualquer coisa do gênero.
Tampouco eu me lembrarei do senhor. Mas, enfim, se lhe satisfaz, posso dizer-lhe meu nome.
-Ah... não, obrigado, não precisa.
Começou a chover, e o carro ia pela estrada, iluminando com o farol alto o negrume da madrugada, revelando nada além do nada. O passageiro recomeçou a falar:
-Suponhamos que o senhor seguisse a estrada sempre em frente, Senhor Motorista. Quando o senhor pararia?
-Não sei... acho que quando quisesse, ou estivesse cansado de dirigir.
-Sim, mas, imagine que o senhor nunca se cansasse, e nunca pudesse parar, quando pararia?
-Acho que nunca, mas, não saberia pra onde ir.
-Sim. É exatamente onde quero chegar.
-Entendo – mentiu o motorista, mais para desconversar do que para prosseguir conversa.
Mas o passageiro não parecia querer parar.
-E, qual é seu sonho, Senhor Motorista?
-Sonho?
-É. Qual é seu maior sonho?
-Ser advogado. Com certeza, ser advogado.
-E se eu dissesse que, no final da estrada, seguindo sempre em frente, estaria a realização de seu sonho, o senhor seguiria a estrada por quanto tempo?
-Não sei. Acho que pra sempre.
-Aham. Por favor, pode encostar aqui. Quanto deu a corrida?
Chovia cântaros na estrada deserta e escura. O motorista protestou, mas o passageiro foi insistente:
-Quanto foi a corrida?
-Sessenta e oito reais.
O passageiro deu uma nota de cem reais ao motorista, dizendo para ficar com o troco.
O motorista então perguntou, com um espanto e uma imobilidade de quem não tem a menor idéia de como agir:
-Mas o senhor sabe pra onde vai?
-Nunca.



Paulo Oliveira - Nunca