sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Último Colóquio.

Tava sem vontade nenhuma de postar já há algum tempo.
Não sei a causa, motivo, razão ou circunstância, mesmo tendo produzido algumas coisas durante esse recesso.
Mas não postarei o que produzi aqui tão cedo.
O que escrevo, penso que é como vinho: precisa envelhecer pra ficar bom, mesmo que eu nem toque nele (no vinho, ou no texto).
Sugestão: Se vocês gostam das estórias sobre o Rei Arthur, leiam "Once and Future King", de T.H. White.
Sem mais para o momento, apresento-lhes um conto, que escrevi quando fazia teatro, tv e cinema, (realmente, fiz esses cursos) coisa de uns 9 ou 10 anos atrás.
Chama-se "Último Colóquio", e vou postá-lo dividido, assim a leitura não fica cansativa demais.
Ah, e façam de conta que ouviram um rufar de tambores e toques de corneta...



Quando ele acordou, tudo estava mergulhado na mais profunda escuridão. Não sabia onde, quando ou porquê estava naquela tenebrosa sala. Lembrou-se que sonhara, mas quando forçou a memória, a lembrança fugiu-lhe.
Era uma casa, ou melhor, um casarão. Ele estava estirado no escuro e frio chão de mármore negro do amplo salão de entrada. As portas duplas, que davam acesso ao mundo exterior estavam vedadas com tábuas e pregos, assim como as janelas, também vedadas com tábuas e pregos por trás das pesadas cortinas de veludo cor-de-sangue que, mesmo abertas, não ajudavam em nada para iluminar o ambiente. Só com a ajuda da pouca luz lunar que, teimosamente conseguia penetrar pelas frestas das tábuas, foi que ele pôde enxergar móveis muito antigos, do século XV ou anterior, quem sabe. Poltronas e almofadas empoeiradas e mofadas, pesados livros amarelados em pesadas estantes de madeira escura, cheias de teias de aranhas contribuíam para que o clima fosse o menos acolhedor possível. Ele nem sabia que em pleno século XXI ainda existiam casas como aquela; muito mais parecida com um cenário de filme de terror do que com uma casa.
Um velho relógio de pêndulo bateu uma, duas, doze vezes. Era meia-noite (ou meio-dia?). É, agora ele tinha certeza: era um filme de terror e, logo após o ressoar da décima segunda badalada sumir por completo, ele gargalhou, e gargalhou histericamente, pois sabia que não sabia mais o que fazer, a não ser rir da situação.
O relógio bateu mais uma vez. Uma demorada hora. Esse foi o tempo que ele levou para perceber que estava em pânico e, mesmo não sendo supersticioso, bateu três vezes na madeira da estante quando um pensamento bobo sobre seu futuro ali lhe passou pela cabeça.
Resolveu subir a larga escadaria dupla até o segundo piso, pois mesmo apavorado, não poderia ficar ali para sempre. Subiu degrau por degrau demoradamente, e com cautela demasiada, chegando ao topo da escada em segurança e respirando aliviado, deixou-se pensar e suspirar um tímido “graças a Deus”.
O alívio só durou até que enxergasse na penumbra em que se encontrava, aquele pavoroso quadro de alguém com o rosto desfigurado pelo que ele julgou ser uma espécie de mumificação, coma pele seca, lábios repuxados e dentes amarelados à mostra, parcos fios de cabelo, mal cobrindo a cabeça, deixando transparecer um couro cabeludo ressecado e rachado e, nisso tudo, o que ele achou mais perturbador, foram os olhos, estranhamente vívidos do quadro, como se olhassem para ele com pena e ódio ao mesmo tempo.
Virando as costas para o quadro e voltando a encarar a escadaria, enxergou à sua direita um longo corredor com uma única porta dupla ao fundo, e a sua esquerda, um corredor semelhante, porém com varias portas de vários os lados, e uma pequena porta ao fundo. Um pensamento bobo ocorreu-lhe: o corredor da direita tinha menos portas e, por conseqüência, teria menos monstros. Sorriu silenciosamente da própria idéia e resolveu tomar o caminho da direita mesmo... “Io no creo em brujas, pero que las hay, las hay”.
(continua...)

Último Colóquio (I)- Paulo Oliveira